Fundão Terra de Acolhimento

Filipa, Rui, a bebé Maria e o gato Bruce Lee.

Filipa é editora de video freelancer e Rui jornalista no Jornal do Fundão. O gato chama-se Bruce Lee. No Alcaide nasceu a Maria Rita. São uma família!

Do Alcaide para o mundo.

O café do Baptista é ponto de encontro entre os alcaidenses, mas também referência para quem chega de fora. Fica logo na entrada na aldeia e, ali ao fundo, na rua em direção à torre sineira, está o apartamento de Rui Pelejão e Filipa Gambino. Vivem no Alcaide há quatro anos. A decisão deu-se anos antes, em Lisboa, durante um almoço prolongado em que os dois refletiam sobre a vida em conjunto depois de darem os primeiros passos como casal. Neste caso, o passo síncrono foi em novembro de 2017 e cruzou a ida a uma agência bancária para abrir conta com um almoço generosamente regado e uma conversa marcante: "Foi uma epifania. Abrimos uma conta em conjunto, que é sempre um passo importante, bebemos duas garrafas de vinho e decidimos mudar de geografia", resume Rui. O trabalho de ambos sempre envolveu alguma flexibilidade. Ele jornalista e ela editora de vídeo, sempre falaram em vir para estas paragens, mas o plano era apenas gozar os anos de ouro perto da terra natal de Rui, aqui no Fundão: "Reformámo-nos mais cedo" remata ele a sorrir. Entretanto, num daqueles alinhamentos que o universo às vezes oferece, o Jornal do Fundão foi alvo de uma mudança profunda. Numa operação rara no nosso país, um grupo de jornalistas e de professores universitários tomou conta do jornal e deu-lhe vida nova, dando um motivo adicional para Rui Pelejão rumar ao interior.

O Jornal do Fundão é um bom exemplo do jornalismo regional. Fundado após o fim da II Guerra Mundial, numa altura em que soprava a esperança de uma mudança de regime no nosso país, tem uma história de resistência à ditadura e de divulgação da cultura. Mais do que um semanário de vocação regional, foi porta-voz das grandes causas da coesão territorial e do desenvolvimento do interior.

Apesar dos vários ataques à sua continuidade, da censura, da suspensão forçada, o jornal voltou sempre mais forte. Ao longo da sua história contou com vários suplementos culturais. Pelas suas páginas passaram nomes como José Saramago, Carlos Drummond de Andrade e José Cardoso Pires, entre muitos outros. Sempre na mão da família do fundador, foi perdendo algum fulgor, até ser comprado pela Global Media Group (grupo a que pertence o DN). Em 2018, a entrada de novos proprietários ligados à região teve o intuito de modernizar o jornal e investir na sua digitalização: "Uma aventura", explica Rui, que veio trabalhar e investir no projeto.

O casal começou então a demanda de encontrar casa para alugar. Filipa e Rui percorriam as aldeias em redor do Fundão: "Não queríamos sair de uma cidade para irmos para outra cidade, mesmo que mais pequena". Em dia do jogo de Mundial assistiram por casualidade a uma partida de Portugal no café do Baptista, centro nevrálgico da aldeia. Imediatamente "acharam piada à pinta da aldeia" e Rui atirou com um excesso de confiança que "se Portugal ganhar ficamos aqui". Tal não aconteceu, mas quando saíram do café perceberam que este era o sítio certo, independentemente do desacerto da equipa das quinas frente à baliza uruguaia. Além disso, "foi a única aldeia onde viram um sinal para alugar casa, ao invés do habitual vende- se" lembra Filipa, sorrindo.

O Alcaide também tem outra característica que os encantou. À saída do café da terra, já de noite, depararam-se com um grupo de pessoas a vestir coletes refletores para fazerem uma caminhada. Para Filipa fez-se luz: "Eu quero viver numa aldeia onde se fazem estas coisas". Para ela a adaptação à natureza que os rodeia foi fácil, apesar das saudades do mar, do qual estava a uns passos quando vivia nas Caldas da Rainha, de onde é natural. Em relação ao emprego, a tarefa foi mais árdua: "Ter trabalho aqui não é fácil". O que a obrigou a manter muitos dos trabalhos de edição de vídeo em Lisboa e só agora começa a ter algum na região. Rui lembra que "não é tudo um mar de rosas", pois as indústrias criativas aqui têm muitas dificuldades de sobrevivência face à ausência de oportunidades.

"É preciso ter algum pragmatismo, porque, apesar de o custo de vida ser mais baixo, a dinâmica económica não cria oportunidades de emprego", explica, enquanto apela às pessoas que estudem bem as oportunidades de trabalho quando tomam este tipo de opção. Para eles a ideia de mudar de vida incluia o objetivo de ter uma criança que pudesse "andar a brincar na rua de joelhos esfolados, livre". Quando conversámos junto à pequena horta no quintal sob o olhar atento do Bruce Lee, o gato residente da casa, estava Filipa grávida. Entretanto, a pequena aldeia do Alcaide, no meio da natureza e a uns quinze minutos do Fundão já tem nova residente: a Maria Rita nasceu.

Fonte

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