Pode a baixa densidade e a falta de mão-de-obra tornarem-se uma oportunidade? No Fundão fazem-se das fraquezas forças e cativam-se investimentos nas áreas tecnológicas e de polimentos para a indústria do luxo, abrem-se as portas a imigrantes e a refugiados. No centro da cidade há quiabos na mercearia e não há casas para arrendar. Uma espécie de revolução silenciosa está a acontecer e uma nova história em construção. Feita de uma miríade de pequenas grandes histórias.
Como a de Mezcal. 30 anos e olhar vivo, faz uma pausa no turno na J3LP, subsidiária do grupo francês J3L, dedicada aos polimentos de acessórios para a indústria do luxo. Está há quatro anos na empresa. Fala mal inglês, ainda pior português, e a conversa acaba por se fazer com um amigo em alta voz no telemóvel a traduzir as perguntas e as respostas de tigrínia para português (e vice-versa). A língua é uma barreira, mas não o impediu de ser acolhido na empresa, de fazer formação e de ser considerado um “excelente funcionário”. Trabalha numa máquina semiautomática, e passa os dias a pôr e a tirar pequenas peças douradas debaixo de uma lixa. No fim do mês recebe perto de €1000: os €836 de ordenado que a empresa paga a todos os funcionários (“dez por cento acima do ordenado mínimo nacional”, frisa o diretor Paulo Nobre) mais as horas extra que faz frequentemente e que são pagas a 100%. Quando se fala no salário, ilumina-se-lhe o rosto.
Saiu da Eritreia à procura de uma vida, saindo da Líbia num barco repleto com 450 almas que, quis a sorte, chegou ileso a Itália depois de dois dias no Mediterrâneo. O mesmo barco em que deu o salto Agustina, nigeriana de 25 anos. Ambos deixaram as famílias para trás.
“Vim de barco, não foi uma viagem fácil, mas estou aqui, graças a deus”, diz Agustina. Fala inglês e conseguimos entender-nos. “Queria ir para a Europa, mas não tinha um país”. Na realidade nem a garantia de que os mais de mil euros que pagou ao passador a levariam a algum lado. Aportou a Itália, acabou por chegar a Portugal, onde, tal como Mezcal, foi encaminhada para o Seminário do Fundão, onde o concelho liderado por Paulo Fernandes resolveu, com a Diocese da Guarda e o Alto Comissariado para as Migrações, criar em 2016 uma estrutura de acolhimento para imigrantes. O município já recebeu 271 refugiados, de várias origens, ultimamente chegam mais ucranianos, antes do Afeganistão, Crimeia, Síria. “Somos uma terra que procura acolher bem e trabalha os valores da interculturalidade”. Esta foi, também, uma das formas de responder à falta de mão-de-obra. Hoje vivem no Fundão pessoas de 70 nacionalidades diferentes.
Agustina trabalhou nas limpezas no Intermarché e na Cerfundão (empresa agrícola) antes de entrar para os polimentos. Nunca pensou em fazer este tipo de trabalho, mas aprendeu, e das suas mãos saem milhares de peças, que depois seguem para França, onde são parte integrante de malas, cintos ou calçado vendidos em lojas onde dificilmente entrará. Partilha uma casa com mais dois imigrantes em Donas, uma aldeia a poucos quilómetros. A grande barreira é a língua. Chegou a ter aulas de português durante cinco meses, mas não correu muito bem. “A comunicação é a melhor forma de aprender português”. Não sabe o que vai fazer no futuro.
Talvez o futuro seja hoje.